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NILTON JUNIOR

I. Sobre o autor




II. Suas Obras


Fábrica dos Sonhos

A sirene estridente acaba de tocar anunciando, impiedosa, mais um início de trabalho, nossa realidade deve ser esquecida para que a produção aumente e o lucro esteja garantido.

Nossos diálogos até agora versaram somente sobre nossos fantasmas e medos, somos prisioneiros de um desejo irrealizável. Afinal passamos meses, dias e horas e nos perguntar como deixar de ser o que somos?

Parece que não estamos realizados, mas não é isso! Nossa condição é a melhor que poderíamos esperar, somos trabalhadores, trabalhadores especializados. Os mais técnicos, com os melhores salários e os que mais deliram.

Ser trabalhador nessa fábrica, fábrica de sonhos, garante nossas fantasias. Fantasia que realizamos no árduo trabalho do dia-a-dia.

Trabalho, fantasia, horário, fantasia, cartão-de-ponto, fantasia, patrão, fantasia...

Trabalho fatigante, trabalho cansativo, trabalho que realizamos sem ao menos notarmos, sem que possamos prestar atenção no que produzimos, sem poder desfrutar do nosso produto.

Trabalhamos por prazer, trabalhamos por horas de prazer, trabalhamos contra nossos prazeres.

Trabalhamos na árdua tarefa de dar prazer aos outros e de possibilitarmos a ilusão a nós mesmos, fantasia de um dia termos acesso a tão grande prazer que desconhecemos.

Trabalhamos comendo, trabalhamos na hora do café, trabalhamos quando voltamos para a casa.

Trabalhamos produzindo sonhos e desejos.

A cada hora de trabalho, a cada produto finalizado, um sonho circula entre nossos dedos e nossas cabeças, para que, enfim, sejam desfrutados por outros dedos e outras cabeças.

Os objetos por nós produzidos bailam por entre olhares de cumplicidade que nos cegam.

Somos operários com nomes, histórias, famílias, somos operários que desejamos,

sonhamos e sofremos. Somos operários de sonhos, de sonhos de outros, de desejos que a nós nos são negados, somos operários que amenizamos dor e solidão alheios, sem que posamos resolver nossas dores e solidões.

O silencio, quase mortal, que nos separa aponta para a falência de nossos produtos, um silêncio cúmplice de uma época tão pouca realizada e prazerosa.

O silencio permanece aqui, com seu olhar debochado, debochando de nós e de nossos usuários, de nossos produtos a beira da destruição moral. Momentos de felicidade por vezes invadem o espaço vazio entre um produto e outro. Momentos que se tornam mais uma tarefa no árduo trabalho de ser feliz.

Há momentos eternos de um cinismo gigantesco, de uma necessidade de existir ali, de não mais sair da fábrica dos sonhos, de não voltar ao pesadelo real da vida.

Há saudade em cada olhar-peão.

Há saudade dos momentos que aqui passamos alimentando sonhos e desejos.

Há saudade da fantasia perdida.

Há saudade da realidade.

Aos poucos o trabalho finda,.nós operários nos retiramos, saímos do sonho e entramos na vida.

Nossas casas, o mundo, todos nos esperam. Deixamos para trás nossa fábrica, a fábrica dos sonhos, para trás nossos diálogos, os medos, os desejos.

Voltaremos amanha, retornaremos ao trabalhão, circularemos por desejos, sonhos e fantasias. Amanha aqui estaremos de novo, nessa fábrica, fábrica dos sonhos.

A fábrica de artigos eróticos.